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Aplicação da CLC-69 no Brasil

Osvaldo Sammarco 

O Brasil assinou The International Convention on Civil Liability for Oil Pollution Damage (CLC-69), a qual foi ratificada em 1977, mas cuja aplicação somente foi regulamentada em 1979. Apesar disso, a CLC-69 não tinha sido jamais aplicada em um caso concreto nas Cortes do Brasil, uma vez que não se reclamava contra os armadores naquela ocasião indenização por danos causados por derrame de óleo no mar. Apenas eram aplicadas multas, as quais não estavam relacionadas com o volume do óleo derramado e nem com eventuais indenizações por danos causados ao meio ambiente e ou a terceiros.

Antes da CLC-69 o Brasil não possuía qualquer legislação específica relativa a proteção do meio ambiente.

No entanto, em razão da força dos movimentos dos ecologistas, o Brasil editou em agosto de 1981 a sua primeira lei específica para a proteção do ambiente natural, estabelecendo regras para reclamações judiciais por danos causados ao meio ambiente em geral. Em 1985 o Brasil editou outra lei de responsabilidade civil por danos causados ao meio ambiente. Nessas leis se estabeleceu que o poluidor será sempre responsável, independentemente de culpa (responsabilidade objetiva), como também não se estabeleceu qualquer limite de responsabilidade.

A partir da edição das referidas leis nacionais, os institutos de defesa do meio ambiente passaram a propor reclamações judiciais com base nessas leis, mesmo para os casos de poluição por óleo no mar causado por navios transportadores de óleo, ignorando a existência da CLC-69. Com base nas leis nacionais as Cortes Estaduais têm concedido ordem de arresto dos navios, os quais somente têm sido liberados mediante garantias bancárias de valores muito elevados, cujas estimativas têm sido feitas com parâmetro no acidente ocorrido no Alaska com o EXXON VALDEZ.

Os institutos de defesa do meio ambiente têm insistido na aplicação das leis nacionais, enquanto que nós temos defendido que nos casos de derramamento de óleo no mar devem ser aplicadas as regras da CLC-69. A aplicação da CLC-69 é importante principalmente para estabelecer um limite de responsabilidade dos armadores.

Além do conflito jurídico entre as leis nacionais e a CLC-69, outro conflito de jurisdição se estabeleceu entre as Cortes Estaduais e as Cortes Federais. De acordo com a Constituição Brasileira, as reclamações nas quais se aplicam Convenções Internacionais devem ser submetidas à jurisdição das Cortes Federais. Com base nisso, os juízes federais aceitavam a jurisdição das Cortes Federais. Em contrário senso, os juízes estaduais ignoravam a aplicação da CLC-69 e insistiam na jurisdição das Cortes Estaduais, tendo por base as leis nacionais.

Diante desses conflitos nós levamos os casos para uma decisão do Superior Tribunal de Justiça em Brasília. Recentemente, aquele Tribunal decidiu, em três casos até o momento, que a jurisdição para as reclamações por poluição por óleo no mar é da Corte Federal. A importância dessa decisão é que a jurisdição da Corte Federal somente foi aceita porque o Tribunal entendeu que as reclamações estão sob as regras da CLC-69.

Essas decisões nos animam a afirmar que a aplicação da CLC-69 no Brasil tende a ser confirmada nos demais casos pendentes e principalmente nos casos futuros. Aliás, os juízes estaduais de São Sebastião, onde está localizado um importante Terminal de Petróleo, já determinaram espontaneamente o encaminhamento de várias outras reclamações por danos decorrentes de poluição por óleo no mar para as Cortes Federais, após terem tomado conhecimento daquelas decisões da Corte Superior de Brasília.

Com base nessas decisões será possível limitar a responsabilidade dos armadores. Além disso, sob as regras da CLC-69, os armadores poderão ser eximidos de responsabilidade quando o dano por poluição tiver sido resultado a) de um ato de guerra; b) de um fenômeno natural de caráter excepcional (força maior); c) de uma ação ou omissão praticada por um terceiro com intenção de produzir danos; d) ou de negligência ou de ato prejudicial de um Governo ou de outra autoridade responsável pela manutenção de faróis ou de outros auxílios à navegação. Tais defesas não seriam possíveis sob as leis nacionais.

A aplicação da CLC-69 representará um grande benefício para a defesa dos armadores. No entanto, várias questões deverão ainda ser solucionadas e que estão relacionadas com a sua aplicação. O Brasil não é signatário da International Convention on the Establishment of an International Fund for Compensation for Oil Pollution Damage, 1971 (IOPC Fund), de modo que uma solução para esse assunto deverá ainda ser buscada perante as Cortes Federais brasileiras.

Outra questão importante se refere à apuração e à quantificação dos danos ao meio ambiente. Neste particular os institutos de defesa da ecologia, principalmente o do Estado de São Paulo, têm apresentado várias teorias e critérios, alguns absurdos. Os critérios apresentados até agora pelos biólogos e ecologistas tendem a estabelecer montantes muito elevados para a reparação dos danos, muito acima daquilo que se pode entender como razoável. Os critérios para a estimação das indenizações são teóricos e estão baseados em danos meramente abstratos. Os ecologistas não escondem a intenção deles de produzir uma indenização de valor bem elevado, como forma de punir o causador do dano.

Sob as regras da CLC-69 nós estamos sustentando que os danos ao meio ambiente somente poderão ser reclamados se houver uma perda economicamente quantificável e efetivamente demonstrada.

Considerando que o Brasil não é signatário do IOPC Fund, é nosso próximo objetivo insistir nas Cortes Federais para que seja aceita uma carta de garantia do segurador CLC-69, de modo a substituir as fianças bancárias que tiveram de ser dadas nas reclamações em andamento e, também, como forma de evitar e ou suspender os arrestos dos navios.

É possível que ainda demore algum tempo para que seja conhecida a primeira decisão nas Cortes brasileiras com base na aplicação da CLC-69 e nós esperamos que no final prevaleça o bom senso e que os juízes não se deixem influenciar pelos movimentos ecológicos.

Revista Gard News – ed. 132, ps. 8/9

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